2 poecontos de Fernanda Laguna por Eduarda Rocha 

Não me lembro bem qual foi a primeira vez que tive contato com a poesia de Fernanda Laguna. Havia lido alguns poemas, até que um dia me deparei com “A mi toallita femenina” (“Para meu absorvente”) e aí veio o entusiasmo. Voltei a sua poesia com vontade de conhecer melhor, e quanto mais lia, mais me empolgava. Me dei conta de que muitos daqueles poemas, lidos por mim em livro impresso, na realidade haviam sido publicados primeiro em fotocópias, em folhas de papel grampeadas e dobradas ao meio. Assim eram as publicações de Belleza y Felicidad – editora e galeria de arte fundada pela artista junto com Cecilia Pavón em 1999 –, que logo se tornou um espaço de encontro para a cena underground argentina. As duas conceberam todo o projeto do local de ByF motivadas por uma viagem a Salvador, na Bahia, quando conheceram as lojas de R$ 1.99 e a literatura de cordel. Esses livros – e aqui é preciso ressignificar o que se entende por livro – muitas vezes continham apenas uma página; vinham plastificados, acompanhados de alguma bugiganga como brinde, típica das lojinhas de presentes baratos. Fernanda faz questão de ressaltar que são livros, não plaquetes. Minha relação com esses poemas se ressignificou ao saber sobre esse formato de publicação, o que me instigou a ler mais essas duas poetas, e terminei decidindo estudá-las em minha tese de doutorado. Comecei a traduzir a Fernanda já no final da pesquisa, durante a pandemia. Traduzir era minha forma de escapar da angústia do isolamento. Ao mesmo tempo em que escrevia sobre os poemas, também os traduzia. Essa convivência a partir de um outro lugar me instigava, me divertia muito traduzindo. Assim foi se armando a antologia Um chamado telepático de socorro, recém publicada pela Macabéa edições, editora feminista do Rio de Janeiro. Escolhi compartilhar aqui “Salvador Bahia, ela e eu” e “A dona de casa”, dois poemas publicados em fotocópias por Belleza y felicidad, que posteriormente apareceram nos livros impressos Control o no control (2012) e La princesa de mis sueños (2018). Fernanda me contou em uma entrevista que passou a escrever poemas longos depois de ter contato com a literatura de cordel. Ela ficou encantada com um livrinho comprado em Salvador, uma versão adaptada de Boccaccio em versos rimados, e experimentou escrever alguns poemas nesse estilo. São histórias longas, versadas, que tratam de temas variados, a partir de um sentimento popular: a praia, uma dona de casa, a virgem, etc. Alguns anos depois, ela passou a chamar esses poemas de poecontos. Aqui aparecem alguns elementos marcantes em sua escrita: o humor, a simplicidade e a dessacralização da poesia. 

Confira as traduções de Eduarda Rocha:

Fernanda Laguna (Hurlingham, Buenos Aires, 1972) é escritora, artista visual, curadora, gestora cultural, dona de casa e bissexual. Fundou junto com Cecilia Pavón a editora em fotocópias e galeria de arte Belleza y Felicidad, pela qual publicou mais de 30 livros/plaquetes de poesia. Em 2003, abriu a filial de Belleza y Felicidad no bairro de Villa Fiorito, onde são realizadas diversas atividades de ativismo cultural. Grande parte de sua produção poética está reunida em: Control o no control (Mansalva, 2012), La princesa de mis sueños (Iván Rosado, 2018), Los grandes proyectos (Página/12, 2018) e Pañuelo de mocos (Iván Rosado, 2022). Sob o heterônimo Dalia Rosetti publicou diversas narrativas. Seus quadros pertencem a várias coleções de museus ao redor do mundo, tais como: MoMA, Malba, Guggenheim NY, Reina Sofía. Foi uma das fundadoras da Eloísa Cartonera. É ativista do coletivo feminista Ni Una Menos Fiorito e junto com Cecilia Palmeiro cura a mostra Mareadas en la marea, um arquivo vivo da maré feminista na Argentina. Atualmente, gestiona a galeria Para vos… Norma míaUm Chamado telepático de socorro (trad. Eduarda Rocha, Macabéa edições, 2023) é seu primeiro livro no Brasil.  

Eduarda Rocha (Maceió, 1991) é licenciada em Letras/espanhol, mestra e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Alagoas. Tem se dedicado a pesquisar as poesias brasileira e argentina contemporâneas, em perspectivas feministas. É co-editora da Revista Felisberta. Atualmente realiza Pós-doutorado sobre políticas do desejo na poesia de Fernanda Laguna (CNPq/UFRJ). 

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