3 poemas de Nikki Giovanni traduzidos por Desirée dos Santos

Nascida no Tennessee (EUA), em 1943, Nikki Giovanni é uma escritora afro-americana reconhecida principalmente por seus trabalhos poéticos. Notadamente premiada por diversas publicações que passam por antologias poéticas, poemas gravados, livros infantis. É, também, bastante reconhecida por tratar de temáticas étnico-raciais e de gênero. Atualmente leciona no departamento de Inglês da Universidade Virginia Tech.

Sobre traduzir Nikki Giovanni por Desirée dos Santos

Foi visualizando um post da artista Delita Martin em sua página Black Box Press que li pela primeira vez uma poesia da escritora Nikki Giovanni. A poesia escrita em inglês veio acompanhada de uma imagem maravilhosa de um quadro de Martin. Fiquei curiosa com a forma como Nikki escrevia e resolvi procurar outros textos dela. Impressionada, me deparei com uma escritora de carreira muito consolidada internacionalmente, porém com uma quantidade muito grande de textos não traduzidos para o português-brasileiro. A partir deste momento fui buscando outras poesias de Nikki e entendendo que é uma demanda muito particular e afetiva poder traduzir poetas negras que têm mensagens tão pontuais e necessárias como as de Nikki Giovanni.

Para estes três poemas em específico foi muito difícil encontrar fontes precisas com datas e origens de publicação. A grande maioria das informações sobre os poemas estão em sites estadunidenses, sem tradução e sem informações sobre edição.

Choices foi utilizada por mim em sala de aula para trabalhar com interpretação com alunxs do Ensino Médio. Li a poesia em inglês e fui pedindo para que elxs me ajudassem a traduzir e deu super certo. Muitos exemplos práticos de diversas maneiras surgiram a partir da primeira estrofe e daí em diante percebi que seria uma responsabilidade, inclusive pra mim mesma, traduzir outras poesias da Nikki.

My Poem foi uma tradução um pouco mais complexa porque exigiu reflexões mais aprofundadas sobre as especificidades dos termos raciais em cada língua. No inglês os termos nigger, negro e/ou N-word são historicamente extremamente racistas e black é o termo de autodefinição convencional. Porém essas palavras ainda assim podem ser utilizadas para se definir dentro da comunidade negra. Já no português brasileiro, o termo negro foi ressignificado e pensado estrategicamente pelo Movimento Negro Unificado (MNU), no final da década de 70, o que acarretou a sua menção de forma positiva e convencionada politicamente até os dias de hoje. Já o termo preto, no Brasil, foi por muito tempo utilizado como insulto racista, mas ultimamente vem sendo mobilizado como autodefinição pela população negra da mesma maneira que o termo negro o é. As oscilações de escolha entre um termo ou outro existem e isso não anula a possibilidade de que eles sejam utilizados de forma racista por quem os profere. Assim, a tradução de Meu poema foi um pouco mais delicada que as demais, porém com uma fluência enérgica das revoluções muito pulsante.

Woman é uma poesia de linguagem muito imagética, o que facilitou um pouco a compreensão e associação das palavras. No entanto, havia termos até então desconhecidos pra mim como blades e robin. Estas palavras dificultaram a compreensão global das frases no meio do processo, mas deram um toque especial na finalização das traduções. Descobrir estas palavras em poesia é uma forma bem lúdica de nunca mais esquecer seus significados.

Os poemas Choices e Woman foram publicados originalmente no livro Cotton Candy On a Rainy Day (1978) e My poem no livro Black Judgement (1968). Todos os poemas foram retirados da coletânea The Collected Poetry of Nikki Giovanni (1968-1998).

Tradução e ilustração: Desirée dos Santos
Revisão da tradução: Julia Raiz

Escolhas

se eu não posso fazer
o que eu quero fazer
então o meu trabalho é não
fazer o que eu não quero
fazer

não é a mesma coisa
mas é o melhor que eu posso
fazer

se eu não posso ter
o que eu quero    então
meu trabalho é querer
o que eu já tenho
e ficar satisfeita
que pelo menos
há algo a mais para querer

já que eu não posso ir
para onde eu preciso
ir    então eu devo    ir
para onde os sinais apontam
mesmo sempre entendendo
que movimentos paralelos
não são laterais

quando eu não posso expressar
o que eu realmente sinto
eu pratico sentir
o que eu consigo expressar
e nada disso é igual
eu sei
mas é por isso que a humanidade
é a única entre os mamíferos
que aprende a chorar

Choices

if i can’t do
what i want to do
then my job is to not
do what i don’t want
to do
it’s not the same thing
but it’s the best i can
do

if i can’t have
what i want    then
my job is to want
what i’ve got
and be satisfied
that at least there
is something more to want

since i can’t go
where i need
to go    then i must    go
where the signs point
though always understanding
parallel movement
isn’t lateral

when i can’t express
what i really feel
i practice feeling
what i can express
and none of it is equal
i know
but that’s why mankind
alone among the mammals
learns to cry

Poema publicado no livro Cotton Candy On a Rainy Day (1978)
(Fonte: The Collected poetry of Nikki Giovanni 1968-1998, p. 269-270)

 

desi
Ilustração: Nuas por Desirée dos Santos

Meu poema

eu tenho 25 anos
mulher negra poeta
escrevi um poema perguntando
preto você pode matar?
se eles me matarem
isso não vai parar
a revolução

eu fui roubada
me parece que eles sabiam
que eu ia ser atingida
eles levaram minha tv
meus dois anéis
minha pintura africana
e minhas duas armas
se eles tirarem minha vida
isso não vai parar
a revolução

meu telefone está grampeado
meu e-mail está aberto
eles me colocaram contra
todas as minhas velhas amizades
e contra todos os meus novos amantes
se eu odiar todas as pessoas negras
e todos os pretos,
isso não vai parar
a revolução

eu tenho medo de dizer
pra minha colega de quarto pra onde eu estou indo
e pavor de dizer
pras pessoas se eu vou mesmo
se eu me sentar aqui
pro resto
da minha vida
isso não vai parar a revolução

se eu nunca mais escrever nenhum poema
ou conto
se eu reprovar
a graduação
se meu carro for apreendido
e meu toca-discos
não tocar
e se eu nunca vir
um dia de paz
ou tiver uma atitude preta significativa
isso não vai parar
a revolução

a revolução
está nas ruas
e se eu ficar
no 5º andar
ela vai continuar
se eu nunca fizer
nada
ela vai continuar

My poem

i am 25 years old
black female poet
wrote a poem asking
nigger can you kill
if they kill me
it won’t stop
the revolution

i have been robbed
it looked like they knew
that I was to be hit
they took my tv
my two rings
my piece of african print
and my two guns
if they take my life
it won’t stop
the revolution

my phone is tapped
my mail is opened
they’ve caused me to turn
on all my old friends
and all my new lovers
if i hate all black people
and all negroes
it won’t stop the revolution

i’m afraid to tell
my roommate where I’m going
and scared to tell
people if I’m coming
if i sit here
for the rest
of my life
it won’t stop
the revolution

if i never write
another poem
or short story
if i flunk out
of grad school
if my car is reclaimed
and my record player
won’t play
and if i never see
a peaceful day
or do a meaningful
black thing
it won’t stop
the revolution

the revolution
is in the streets
and if i stay on
the 5th floor
it will go on
if i never do
anything
it will go on

Publicado no livro Black Judgement (1968)
(Fonte: The Collected poetry of Nikki Giovanni 1968-1998, p. 86-87)

Mulher

ela queria ser uma lâmina
de grama entre os campos
mas ele não concordaria
em ser um dente-de-leão

ela queria ser uma ave cantante
no meio das folhas
mas ele se recusou a ser
sua árvore

ela se lançou numa teia
e procurando por um lugar pra repousar
foi até ele
mas ele permaneceu duro
recusou ser seu canto

ela tentou ser um livro
mas ele nunca a leria

ela se transformou num bulbo
mas ele não a deixaria crescer

ela decidiu se tornar
uma mulher
e embora ele ainda se recusasse
a ser um homem
ela decidiu que estava tudo
certo

Woman

she wanted to be a blade
of grass amid the fields
but he wouldn’t agree
to be a dandelion

she wanted to be a robin singing
through the leaves
but he refused to be
her tree

she spun herself into a web
and looking for a place to rest
turned to him
but he stood straight
declining to be her corner

she tried to be a book
but he wouldn’t read

she turned herself into a bulb
but he wouldn’t let her grow

she decided to become
a woman
and though he still refused
to be a man
she decided it was all
right

Poema publicado no livro Cotton Candy On a Rainy Day (1978)
(Fonte: The Collected poetry of Nikki Giovanni 1968-1998, p. 275)

Desirée dos Santos é pesquisadora, poeta, artista e professora na área de Língua Portuguesa e Literatura. Possui poesia publicada no blog totem & pagu e ilustrações publicadas no livro Poemas para leer desde adentro de una semilla de Camila Duarte. Foi artista contemplada pelo edital Bienal Black Brazil Art (2019) com o vídeopoema Lambendo minhas feridas e foi convidada da exposição Linha Preta (2020) com o quadro “Enedina Alves Marques: A primeira”.

Um comentário sobre “3 poemas de Nikki Giovanni traduzidos por Desirée dos Santos

  1. Tadeu disse:

    Muito Lindo – Desica. A profundidade emocional que NIKKI demonstra com as dificuldades de ser mulher negra, é tocante. Traz-nos desde os dias de ontem até a realidade de hoje.

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